Brasil mira Panda Bonds: Um passo estratégico no desafio à hegemonia do dólar

Como o bloco econômico está revolucionando o comércio internacional e desafiando o sistema financeiro tradicional
Nas últimas décadas, o dólar americano reinou absoluto como moeda dominante no comércio internacional. Seja no petróleo, nos grãos ou em componentes industriais, quase todas as transações globais são precificadas e liquidadas em dólar.
No entanto, esse sistema vem sendo questionado com intensidade crescente, especialmente após eventos recentes como as sanções ocidentais contra Rússia, Irã, Venezuela e agora, crescentes tensões com a China.
Diante desse cenário, países emergentes estão buscando formas alternativas de negociar sem depender do dólar, tanto por motivos geopolíticos quanto econômicos.
O que parecia uma ideia distante no passado, agora ganha contornos reais por meio de acordos bilaterais em moedas locais.
Em 2023 e 2024, Brasil e China assinaram acordos para permitir que empresas realizem transações em real e yuan, evitando conversões para dólar. Índia e Rússia também avançaram em trocas diretas entre rupia e rublo, especialmente no setor energético.
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No entanto, o comércio bilateral em moeda local enfrenta um desafio técnico crucial: o desequilíbrio nos fluxos comerciais.
Por exemplo, se o Brasil exporta soja e carne para a China e recebe pagamento em yuan, mas não importa o suficiente de produtos chineses para gastar esse saldo, acaba acumulando uma moeda que não pode reinvestir facilmente em outro parceiro comercial, como a Rússia. O mesmo ocorre no sentido inverso, gerando uma ineficiência estrutural.
Essa situação cria um problema de liquidez e reinvestimento. Como esses países não possuem mercados profundos ou totalmente conversíveis de suas moedas (como o dólar ou o euro), o acúmulo de moedas locais pode gerar fricções no comércio multilateral, prejudicando a fluidez das cadeias de suprimento e reduzindo o incentivo ao uso de moedas não-hegemônicas.
🧩 A solução emergente: compensação multilateral via índice de valor comum
Para resolver esse impasse, os países do Sul Global — liderados pelos BRICS — estão discutindo uma infraestrutura de compensação multilateral, baseada em um índice de conversão comum.
Esse índice, ou unidade de conta digital, funcionaria como uma "moeda de referência" entre os países participantes, permitindo que um país convertesse seus saldos acumulados em uma moeda local para esse índice e, a partir dele, liquidasse pagamentos com terceiros.
Voltando ao exemplo: o Brasil poderia converter seus yuans acumulados em uma unidade digital multilateral e, com ela, comprar gás da Rússia, que receberia o valor convertido em rublos.
Esse tipo de "troca circular compensada" resolveria o problema da bilateralidade limitada e abriria espaço para uma rede de comércio regional ou global mais fluida, sem a necessidade do dólar como intermediário.
Essa é a base do que os especialistas estão chamando de "Sistema de Compensação Multilateral com Unidade de Conta Digital" — uma solução tecnicamente viável, geopoliticamente relevante e cada vez mais presente nos fóruns dos BRICS, do G77 e de plataformas emergentes como o projeto mBridge liderado por China, Emirados Árabes e BIS.
À medida que a desdolarização avança, a construção de uma infraestrutura confiável e interoperável para liquidação multilateral se torna o próximo passo estratégico rumo a uma economia global verdadeiramente multipolar.
A ideia de compensação multilateral, também chamada de multilateral clearing, é um mecanismo já conhecido no mundo das finanças internacionais.
Ela consiste basicamente em liquidar obrigações comerciais entre vários países de forma cruzada, de modo que apenas os saldos líquidos finais precisem ser transferidos em moeda forte ou unidade de referência.
🔁 A lógica da compensação: um exemplo simples
Imagine três países — Brasil, China e Rússia — que estão realizando comércio entre si com suas próprias moedas:
Se cada um desses países quiser converter suas moedas para dólar antes de fazer qualquer transação, cria-se um ciclo custoso, lento e dependente da disponibilidade de dólar.
Mas se esses três países participarem de uma câmara de compensação multilateral, os fluxos são ajustados entre si e apenas os saldos finais são liquidados — com menor necessidade de conversões cambiais e, muitas vezes, sem envolver o dólar.
🧩 Resultado final: cada país pode usar a moeda local de seus parceiros e não precisa convertê-la individualmente para uma moeda global (como o dólar).
No final de um ciclo (mensal, trimestral), o sistema calcula quem deve quanto a quem e apenas esses saldos são transferidos — seja em moeda forte, unidade de conta ou até por crédito automático entre bancos centrais.
Esse modelo não é novo. Já foi implementado com sucesso em outras regiões e contextos:
🟢 ALADI (Associação Latino-Americana de Integração)
🟦 FMI – Special Drawing Rights (SDRs)
Em 2024, vários blocos voltaram a discutir o modelo de compensação multilateral com base digital:
Com o avanço da digitalização das finanças e da coordenação entre países do Sul Global, esse modelo pode ser a chave para destravar o comércio entre nações que hoje buscam fugir do dólar — sem depender de uma moeda global substituta.
À medida que os acordos bilaterais em moedas locais se intensificam — como Brasil-China, Índia-Rússia ou África do Sul-China — torna-se evidente a necessidade de um sistema técnico que interligue essas moedas e resolva o problema da conversão cruzada.
É exatamente nesse contexto que surge a proposta dos BRICS, avançada especialmente em 2024: a criação de uma "unidade de conta digital multilateral".
Essa unidade não é uma nova moeda no sentido tradicional, tampouco pretende circular entre cidadãos ou substituir moedas nacionais.
Trata-se de um instrumento técnico de conversão, que serviria como índice de referência entre as moedas dos países participantes, e permitiria a liquidação multilateral de transações comerciais.
Nas reuniões de 2023 (África do Sul) e 2024 (Rússia), os BRICS oficializaram um grupo de trabalho técnico com objetivo de:
Imagine que o Brasil exporte soja para a China e receba yuans. No modelo atual, esses yuans são de difícil utilização fora da relação bilateral. Mas com a unidade de conta BRICS, o Brasil poderia:
Esse sistema elimina a necessidade de passar pelo dólar ou por qualquer moeda ocidental e cria um ecossistema interno de liquidez e confiança entre os países membros.
A proposta mais recente sugere que essa unidade seja lastreada por uma cesta híbrida composta por:
Essa cesta conferiria estabilidade, credibilidade e referência objetiva de valor ao índice, funcionando de forma similar ao SDR do FMI, mas com maior aderência às realidades comerciais e geoeconômicas dos BRICS.
Modelo SDR aprimorado (tipo FMI)
Moeda digital interna (sem circulação pública)
Sistema baseado em blockchain
O grande diferencial dessa proposta é que ela resolve três obstáculos centrais da desdolarização técnica:
Além disso, ela cria a base de uma infraestrutura financeira paralela ao sistema ocidental, dando aos países do Sul Global uma alternativa para comércio seguro, rápido e independente de pressões políticas ou sanções econômicas.
À medida que blocos como os BRICS, a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e o G77 avançam na construção de sistemas de compensação multilateral e liquidação em moedas locais, os países envolvidos começam a colher uma série de benefícios estruturais e estratégicos.
Esses ganhos vão além da esfera geopolítica e se estendem ao campo técnico, financeiro e comercial — com destaque especial para as nações emergentes do Sul Global.
O principal e mais imediato benefício de um sistema alternativo de pagamentos é a redução da exposição ao dólar americano.
Desde a Guerra Fria, o dólar tem sido usado não apenas como unidade de troca, mas como instrumento de poder político.
Sanções econômicas dos EUA, como as aplicadas contra Rússia, Irã, Venezuela e, mais recentemente, ameaças à China, mostraram como o controle sobre a moeda global pode ser usado como arma financeira.
Com a implementação de sistemas de compensação multilateral e unidades de conta próprias, países ganham liberdade para negociar sem risco de bloqueio, congelamento de ativos ou exclusão de sistemas como o SWIFT.
Ao utilizar moedas locais atreladas a uma unidade de conta digital comum, os países mitigam o impacto de volatilidades cambiais externas.
Por exemplo, em vez de depender da flutuação do dólar ou do euro, os fluxos comerciais passam a ser balizados por uma cesta de moedas e/ou ativos estratégicos (como petróleo, ouro, fertilizantes), o que garante maior previsibilidade e equilíbrio nas transações internacionais.
Além disso, esse sistema favorece acordos de longo prazo com condições financials mais estáveis, o que é crucial para setores estratégicos como energia, defesa e infraestrutura.
Historicamente, países emergentes têm enfrentado a chamada "armadilha da dependência cambial", onde precisam manter grandes reservas em dólar para garantir estabilidade.
Isso impõe limites ao uso da política monetária doméstica, muitas vezes sacrificando o crescimento interno para manter a confiança externa.
Com um sistema de compensação multilateral, os países ganham soberania sobre suas decisões monetárias, já que podem transacionar em moedas locais e converter via unidade de valor regional, sem recorrer aos grandes centros financeiros ocidentais.
Esse movimento reforça a ideia de uma infraestrutura financeira descentralizada e multipolar, onde cada país pode desempenhar um papel ativo sem subordinação a potências monetárias tradicionais.
Muitos países do Sul Global já possuem cadeias de suprimento complementares, mas enfrentam barreiras cambiais e financeiras para ampliar o comércio entre si.
Com a adoção de uma infraestrutura digital multilateral:
A tendência é a criação de "zonas de comércio com liquidação direta", semelhantes ao que ocorre hoje na União Europeia com o euro, mas sem a necessidade de uma moeda única formal.
O modelo tradicional baseado no SWIFT e no dólar envolve:
Ao substituir esse modelo por infraestruturas digitais descentralizadas — muitas vezes baseadas em blockchain ou redes de bancos centrais (CBDCs) — os países conseguem:
Embora a ideia de um sistema de compensação multilateral com unidade de conta digital entre os BRICS e países do Sul Global seja promissora e venha ganhando força, ela também enfrenta desafios importantes — tanto técnicos quanto políticos.
A complexidade de redesenhar parte da arquitetura financeira global não está apenas na tecnologia, mas, sobretudo, na governança, confiança e assimetrias estruturais entre os participantes.
Para que um sistema multilateral funcione de forma fluida, é fundamental haver uma estrutura de governança sólida, transparente e equilibrada entre os países participantes. Isso significa:
Esse desafio é particularmente sensível porque os países do BRICS têm níveis diferentes de abertura econômica, regimes cambiais e políticas monetárias. A China, por exemplo, mantém controle rígido sobre a movimentação de capitais, enquanto o Brasil tem câmbio flutuante e alta volatilidade.
Chegar a um consenso entre essas diferenças exige cooperação pragmática e flexibilidade política, algo nem sempre fácil de obter.
Mesmo com o avanço das tecnologias como blockchain e CBDCs, ainda há desconfiança entre os participantes quanto à real transparência e rastreabilidade das operações.
Além disso, alguns membros — especialmente Índia e África do Sul — têm expressado preocupação sobre a predominância tecnológica e financeira da China e da Rússia nesse tipo de iniciativa.
Isso levanta dúvidas sobre a interoperabilidade real e sobre o risco de hegemonias internas dentro do bloco.
Outro grande desafio é que os fluxos comerciais entre os países não são equilibrados. Há países estruturalmente superavitários (como China e Rússia em energia e manufaturas) e outros estruturalmente deficitários (como Índia ou Brasil, em alguns setores).
Esse desequilíbrio pode fazer com que:
Além disso, sem mecanismos robustos de redistribuição ou financiamento de déficits estruturais (como faz a União Europeia com seus fundos de coesão), o sistema corre o risco de reproduzir novas dependências em vez de superá-las.
Talvez o maior desafio de todos: a confiança global no dólar foi construída ao longo de décadas, baseada em:
Nenhuma outra moeda ou unidade de conta possui ainda esse grau de liquidez, aceitação global e segurança jurídica.
Por mais que o novo sistema proposto pelos BRICS utilize uma cesta de moedas e commodities para gerar valor, ele ainda não é testado em larga escala, nem reconhecido formalmente por organismos multilaterais como o FMI ou o BIS.
Além disso, mesmo commodities como ouro ou petróleo enfrentam volatilidade, problemas logísticos e risco geopolítico, o que limita sua capacidade de funcionar como "garantia estável" de um sistema monetário novo.
O avanço da desdolarização e a busca por alternativas ao SWIFT e ao dólar não são apenas ideias teóricas ou declarações políticas — já estão sendo testadas em campo por meio de iniciativas concretas, multilaterais e altamente estratégicas.
De CBDCs a câmaras de compensação digitalizadas, diversos blocos e países estão lançando pilotos que pavimentam o caminho para uma nova arquitetura financeira internacional.
Durante a cúpula dos BRICS realizada em Kazan (Rússia), em junho de 2024, os líderes do bloco — agora incluindo oficialmente países como Egito, Etiópia e Irã — criaram um Grupo Técnico Permanente para desenvolver uma infraestrutura de compensação baseada em uma unidade de conta comum.
Esse grupo:
Segundo declarações oficiais de Lavrov (Rússia) e do Banco Central da China, os primeiros testes técnicos entre sistemas bancários começam em dezembro de 2025, com integração piloto prevista entre Rússia, China e Índia.
O Projeto mBridge, liderado pelo BIS Innovation Hub e em cooperação com China (via PBoC), Tailândia, Emirados Árabes Unidos e Hong Kong, é um dos testes mais avançados de CBDCs interbancárias para liquidação transfronteiriça.
Até junho de 2025:
Em comunicado conjunto com o FMI, o projeto mBridge foi descrito como um "marco técnico para redefinir o comércio internacional sem necessidade de moeda dominante única".
Desde as sanções mais duras contra a Rússia em 2022, Moscou e Pequim têm acelerado a integração de seus sistemas nacionais de pagamentos:
Essa integração será essencial para dar escala à unidade de conta dos BRICS e permitir a interoperabilidade de sistemas financeiros fora da órbita do dólar e do SWIFT.
Além dos BRICS, outras alianças do Sul Global também estão se mobilizando:
Esses blocos estão se aproximando dos BRICS para formar uma macro-rede de compensação financeira multipolar, com intercâmbio de tecnologia e padronização de protocolos.
O que antes eram apenas discursos em cúpulas agora se concretiza em projetos pilotos, integração de sistemas e acordos técnicos entre bancos centrais de países emergentes.
A questão não é mais "se" haverá um novo sistema financeiro internacional, mas "quando" ele alcançará massa crítica suficiente para desafiar efetivamente o domínio do dólar e do SWIFT.
Olhando para a próxima década, as tendências atuais indicam que o mundo caminharia para um sistema financeiro verdadeiramente multipolar, no qual a centralidade do dólar será significativamente reduzida, e os mecanismos de compensação digital entre moedas locais — como os propostos pelos BRICS — ganharão escala e profundidade.
Nos próximos anos, é esperado que mais países adotem acordos bilaterais e multilaterais com liquidação em moedas locais — especialmente entre países emergentes e do Sul Global, que buscam reduzir vulnerabilidades associadas à volatilidade e hegemonia do dólar.
Esse movimento será facilitado pela disseminação de unidades de conta digitais comuns, que funcionarão como "pontes" entre moedas diferentes, garantindo maior fluidez e previsibilidade nas transações internacionais.
Com o fortalecimento dessas redes alternativas, a demanda por dólares como moeda de reserva e liquidação irá recuar nos fluxos comerciais entre países fora do Ocidente tradicional.
Ainda que o dólar não desapareça, sua predominância será limitada a relações comerciais que envolvam Estados Unidos e aliados, enquanto blocos como BRICS, SCO e G77 operarão predominantemente em suas próprias moedas e unidades digitais.
Essa nova arquitetura financeira será formada por uma infraestrutura paralela ao sistema ocidental, baseada em tecnologias emergentes como blockchain, CBDCs e sistemas integrados de compensação multilaterais.
Ela proporcionará maior autonomia, resiliência e segurança a seus participantes, e representará um passo decisivo rumo a uma governança financeira global mais distribuída e democrática.
As Moedas Digitais de Bancos Centrais (CBDCs) serão o componente tecnológico fundamental para viabilizar essa infraestrutura.
CBDCs permitirão a liquidação instantânea e segura dos saldos comerciais multilaterais, eliminando intermediários e reduzindo custos.
Assim, embora as moedas físicas e tradicionais continuem existindo, a liquidação e a compensação em nível interbancário ocorrerão cada vez mais por meio digital, reforçando a dinâmica multipolar.
O que estamos testemunhando não é apenas um jogo político entre potências, mas uma transformação profunda na arquitetura financeira global, impulsionada por avanços tecnológicos e cooperação entre países que buscam autonomia econômica.
A compensação multilateral e os sistemas digitais alternativos representam o próximo estágio da desdolarização: não mais um simples discurso, mas uma engenharia financeira alternativa que desafia o sistema tradicional em sua base.
Reflexão final
E se o dólar continuar reinando...
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Entenda como as compensações multilaterais entre os BRICS estão redesenhando a macroeconomia global ao reduzir a dependência do dólar
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